segunda-feira, 25 de maio de 2009

Meu pai estar morrendo dentro do quarto...



Meu pai está morrendo dentro do quarto.

O quarto é escuro e meu pai está morrendo lá.
Aqui na sala estamos aguardando que meu pai morra.
Meu nome é Adriano e o médico disse que meu pai ia morrer antes das 8 da noite, mas já passa das 10 da noite.
No quarto onde meu pai está morrendo deitado numa cama, minha mãe é um vulto branco na cabeceira.
Às vezes meu pai grita.
Quando meu pai grita o vizinho do lado, que, quando, passa deixa um rastro de alegria na rua e que está sentado no sofá aqui na sala, fica olhando para mim e eu sinto vontade de cantar, mas cantar é a ultima coisa em que devo pensar agora.
Ele é moreno, falso magro, talvez tenha vinte anos ou quando muito 23, seus olhos são de cor cinza e eu quero olhar para ele, mas olho para o chão.
Ele está sentado no sofá logo na minha frente e se meu pai não estivesse morrendo, eu poderia olhar seus músculos.
Podia olhar seus braços fortes quando ele os cruza.
Podia olhar um pedaço de suas pernas.
Podia olhar seu tórax moreno.
E sua boca, que tanta sede me dá, eu também podia olhar se meu pai não estivesse morrendo.
Mesmo assim olho para ele __ disfarçadamente eu olho.
Ele acende um cigarro e eu gosto do jeito dele segura-lo e de como engole a fumaça e depois a solta pelo nariz e pela boca, ah eu quero beijar sua boca, mas escuto um gemido e lembro-me que meu pai está morrendo.
Então ele me olha com seus olhos cinza e eu fico querendo cantar.
Tento pensar em meu pai.
Nunca, em toda minha vida, nem quando eu era criança, meu pai me abraçou me beijou ou passou as mãos nos meus cabelos.
Não me lembro de vê-lo rir alguma vez.
Lá no sofá, o vizinho cruza os braços -- ele não devia fazer isso.
Eu podia dizer a ele que meu pai sempre foi um homem triste. Acho que ele ia entender perfeitamente.
Minha mãe sai do quarto onde meu pai está morrendo, para na minha frente e diz que ele está me chamando.
Todos me olham e o vizinho me olha com seus olhos cinza e eu quero cantar, e entro no quarto, onde meu pai está morrendo.
Eu me ajoelho na cabeceira da cama e a mão de meu pai começa a tatear meu rosto no escuro do quarto, como se seus dedos quisessem recordar para todo o sempre como é meu nariz, minha boca, minha testa. E meu pai fala:
___Meu filhinho!
Nunca tinha me chamado assim e agora na hora da morte repete:
___filinho!
Meu pai segura minha mão e pergunta se eu me lembro de quando caçávamos patos selvagens. Repondo que sim e meu pai rir e diz:
__a gente era feliz e não era?
Digo que sim e outra vez meu pai rir, ele está morrendo e rir.
Deixo meu pai morrendo dentro do quarto e volto á sala lá está ele, o vizinho, sentado no sofá como o mestre sala da escola de samba; mas não é hora de ser alegra, e eu subo a escada que leva á parte de cima da casa, deito na cama, com a cabeça enfiada no travesseiro, e fico pensando em meu pai.
Escuto a escada e imagino que alguém vem me dizer que meu pai morreu.
Tiro a cabeça do travesseiro e olho: é o vizinho que vem chegando. Quero cantar, mais isso não posso nem devo fazer.
Ele senta na cama e eu beijo sua boca de lábios ressecados.
Ele levanta-se fecha a porta do quarto onde estamos e volta, e eu o abraço e beijo.
Eu o comparava aos anjos quando via passar de manhã, mas agora meu pai está morrendo e eu o tenho nos braços, suspeito que ele seja o demônio que veio me tentar.
Nus no quarto, eu ele nos amamos.
O vento sopra uma aragem em nossos corpos nus e suados.
Eu sinto na boca o gosto salgado da pele. E ele Diz: “O sal está na rosa silvestre”. Pergunta: Conhece T.S Eliot? Eu digo que não. E ele declama:
“Não sei muito acerca dos deuses, mas creio que o rio é um deus castanho...”
E uma canção começa a cantar dentro de mim como uma festa, mas eu sei que não é hora de cantar, nem de festa, afinal meu pai está morrendo.

Adaptação do romance de Roberto Drumond para poema: Autor (Desconhecido)